RIO DE JANEIRO (AP) – Os eleitores brasileiros estão sendo bombardeados por desinformação on-line menos de uma semana antes de escolherem seu próximo líder.
As pessoas da mídia social dizem, erroneamente, que o candidato de esquerda nas eleições presidenciais brasileiras planeja fechar igrejas se for eleito. Há mentiras de que Luiz Inácio Lula da Silva quer deixar os homens usarem banheiros de escolas públicas ao lado de garotinhas. E eles alegam falsamente que o presidente de direita Jair Bolsonaro fez comentários confessando canibalismo e pedofilia.
Boatos infundados e motivados politicamente estão chicoteando através das mídias sociais na maior democracia da América Latina, fazendo com que a política brasileira seja tão desleal quanto a política dos Estados Unidos. A investida de falsos rumores ajudou o Brasil na semana passada a decretar o que alguns especialistas chamam de limites mais estritos para a fala na jovem democracia do país.
É um enigma colocado pela mídia social em todo o mundo, especialmente em países que disputam a interseção entre a tecnologia moderna e a liberdade de expressão. O Brasil tem adotado uma abordagem particularmente pesada. Especialistas dizem que, ao fazê-lo, as autoridades têm levantado questões sobre o compromisso do país com a liberdade de expressão.
“O que está acontecendo no Brasil, no Facebook, no YouTube e em outras plataformas parece terrivelmente semelhante ao que estava acontecendo nos EUA por volta das eleições de 2020”, disse Vicky Wyatt, diretora de campanha do grupo de ativistas SumOfUs, sediado nos EUA. “Um posto individual pode não ter tanto alcance, mas cumulativamente com o tempo, ter esse gotejamento constante tem conseqüências negativas”.
Em geral, os canais conservadores produzem mais conteúdo – e mais conteúdo falso e problemático também. De acordo com uma contagem do instituto Igarape, nos oito dias antes e depois da votação da primeira rodada de 2 de outubro, os canais de extrema-direita do YouTube atraíram 99 milhões de visualizações enquanto os canais de esquerda tiveram 28 milhões de visualizações. Analistas políticos e a oposição expressaram o temor de que o exército de Bolsonaro na internet possa ajudá-lo a desafiar os resultados se ele perder, espalhando alegações infundadas de fraude.
O Tribunal Superior Eleitoral, a principal autoridade eleitoral do país, anunciou na quinta-feira que estaria proibindo o conteúdo “falso ou seriamente descontextualizado” que “afeta a integridade do processo eleitoral”. Nenhum pedido de um procurador ou reclamante é necessário para que o tribunal tome medidas.
Nos dias que antecedem, e logo após, o segundo turno das eleições de 30 de outubro, empresas de mídia social como YouTube e Meta – proprietária do Facebook e Instagram – terão apenas uma hora, muito menos tempo do que antes, para remover conteúdo problemático. Nenhuma empresa comentou.
Plataformas que não cumprirem com as exigências enfrentarão multas de até 150.000 reais ($28.000) por hora e possivelmente serão bloqueadas em servidores brasileiros por até 24 horas.
O presidente do tribunal eleitoral, o juiz da Suprema Corte, Alexandre de Moraes, disse que “a agressividade desta informação e do discurso do ódio” merece a medida. O Procurador-Geral Augusto Aras, um bolonaro nomeado que é amplamente considerado um aliado do governo, apresentou uma moção à Suprema Corte para reverter as medidas que ele disse serem inconstitucionais. Aras disse que elas equivaliam à “censura prévia”, infringindo a liberdade de expressão e o direito de informar e ser informado na Constituição brasileira.
A Suprema Corte tomou o partido do tribunal eleitoral em uma audiência na terça-feira. A tomada de posição da Constituição brasileira sobre a liberdade de expressão é semelhante à dos Estados Unidos, disse Luis Claudio Araujo, professor de direito da Universidade Ibmec.
O tribunal também proibiu a publicidade eleitoral paga na internet dois dias antes, e um dia depois da eleição.
As novas medidas enfureceram muitos apoiadores bolonarianos. Outros disseram que elas eram justificadas pela escala da guerra suja online.
A desinformação se tornou mais radical – e organizada – desde a campanha presidencial de 2018, quando grupos de extrema-direita foram acusados de espalhar desinformação em massa em apoio aos bolonarianos.
“Em 2018 foi uma espécie de parque de diversões”. Foi mais honesto, no sentido de que eles acreditavam ideologicamente no que estava acontecendo e simplesmente criavam canais como uma forma de fazer parte da conversa”, disse Guilherme Felitti, fundador da Novelo Data, que monitora mais de 500 canais conservadores do YouTube.
Desde então, alguns deles transformaram seu ativismo online em negócios, confiando na receita publicitária e nas doações de seu crescente público. Alguns se candidataram ao cargo este ano.
Enzo Leonardo Suzin, mais conhecido sob seu pseudônimo YouTube Enzuh, foi um deles. Ele lançou seus canais em 2015.
Quando Bolsonaro iniciou sua campanha, Suzin usou seu próprio canal no YouTube e criou vários grupos WhatsApp – incluindo um que ele chamou de “fábrica de memes” – para visar os adversários de Bolsonaro – prefeitos, governadores e até mesmo de Moraes, o Juiz do Supremo Tribunal Federal.
Ele foi considerado culpado e multado em até 50.000 reais (pouco menos de 10.000 dólares) em cinco processos diferentes de difamação e calúnia. Ele também é alvo de uma investigação da Suprema Corte na divulgação de notícias falsas online, que também incluem Bolsonaro e aliados políticos.
Com cada processo legal, Suzin ganhou mais alguns seguidores.
“Pensei no YouTube como um jogo”, disse Suzin à Associated Press. “Era meu plano desde o início: ser um provocador, praguejando sobre mafiosos corruptos, eles me processando e eu crescendo por causa disso”.
Suas contas no Facebook e no Twitter foram bloqueadas – mas não seu canal no YouTube, onde ele ainda publica todos os dias. Ele perdeu sua tentativa de se tornar um legislador estadual este mês.
Bolsonaro há muito tempo afirma que o sistema de votação eletrônica do país tem sido usado para cometer fraude – embora ele tenha repetidamente falhado em produzir provas. Ele citou o fato de que uma vez os hackers penetraram no sistema informático da comissão eleitoral. O tribunal eleitoral disse que os hackers não obtiveram acesso a nenhum dado de contagem de votos.
Como resultado, informações falsas ou enganosas sobre a confiabilidade das máquinas eletrônicas do país também se espalharam amplamente nas mídias sociais.
A Ordem Dourada do Brasil, um grupo de extrema-direita exibindo nostalgia pela ditadura militar de 1964-1985, publicou vídeos jurando ir à guerra “se for preciso”, questionando o sistema eleitoral brasileiro e pedindo aos brasileiros que tomem as ruas em apoio ao Bolsonaro.
A Suprema Corte e alguns de seus juízes também foram vítimas da guerra de desinformação, com um posto ameaçando a violência contra as filhas dos juízes. Muitos outros pediram que a instituição fosse encerrada.
No ano passado, o tribunal abriu um inquérito a uma rede online que acusou de divulgar notícias difamatórias e ameaças contra seus juízes, com a polícia executando mais de duas dúzias de buscas e mandados de apreensão.
Ambas as campanhas este ano apresentaram queixas ao tribunal eleitoral alegando desinformação – e ganharam ordens judiciais para que fosse bloqueada ou removida. As reclamações apresentadas pelo tribunal eleitoral com plataformas on-line aumentaram 1.671% em comparação com as eleições locais de 2020, disse o tribunal eleitoral na semana passada.
Um tesoureiro local do Partido dos Trabalhadores da Silva foi baleado fatalmente em julho. Desde então, tem havido relatórios quase semanais das autoridades brasileiras sobre ataques de motivação política.
Tai Nalon, fundador da agência de verificação de fatos AosFatos, disse que o grande desafio no combate à desinformação online é tomar as decisões corretas. “Não há legislação regulando as plataformas (online), ou dizendo como o judiciário deve agir contra elas”, disse ela.